O meu pai é incomparável. É tão giro, tão giro! No último fim de semana fui a casa, leia-se Beja, e sabe ainda melhor o cafezinho após a almoçarada de domingo na companhia do Bicho e da Gertrudes. Estava um calorzinho daqueles de fazer relembrar o Alentejo antigo mas, simultaneamente, soprava um ventinho que sabia tão bem...Ora o belo do Bicho, assim que se encosta, pesam-lhe as pálpebras. O homem consegue dormir onde quer que seja. E adormece numa fração de segundos. Desgraçado acorda logo com a Gertrudes aos berros: «Frasquinho, parece impossível! Onde quer que chega está sempre pendendo». E é verdade - não sei se ainda é na fase de adormecimento ou se já está na twilight zone, o meu Bicho parece um radar - consegue dar a volta à cabeça quando dorme sentado. Eu, nem nos alongamentos do ginásio consigo rodar assim o pescoço... «Epá, está-se aqui tã bem», justificava-se. E acorda sempre bem disposto. Contou logo o mê Bicho: «Sabes a do homezinho que chega aí a um lugarejo no Alentejo e pergunta a um velhote- amigo, já nasceu aqui algum grande homem? Não - aqui só nascem crianças!» Ha, ha, ha, ha! O que eu me tenho rido com esta parvoêra! Tal não é a moenga...
Epá, digam-me que não é só na minha casa que estes seres que não servem para coisa alguma existem tipo formigas...São aqueles bichinhos que saem debaixo dos móveis, que se reproduzem tipo cogumelos e que aparecem aos moitões nos cantos das paredes. Para mais têm uns bigodes enormes à frente. Não sei se aparecem com o frio, com o calor, com a proximidade de campo - sei que tenho uns quantos na minha residência e, se bem que até os pise sem querer (faz de conta), eles continuam a ser cada vez mais. Houve um destes cab%87$%s que me tirou do sério. Estava eu sentada na casa de banho, se é que me faço entender. Apareceu-me o estupor do bicho. E esticava o pé para lhe dar cabo do canelo. O bicho escondia-se. Mostrava o bigode. E eu pumba! Crash! E ele escondia-se debaixo do móvel do lavatório. E eu enfiava o chinelo por baixo para o esmagar. E ele aparecia do outro lado do móvel. Até punha a cabecinha de fora e voltava a fugir como se estivesse a gozar comigo. Até que me irritei. E até me esqueci do que, realmente, estava a fazer na casa de banho. Decidida a manda-lo desta para melhor - o universo lembrou-me que todos os seres são filhos de Deus. Mandei uma trancada com o dedinho do pé no estupor do móvel... Vi estrelas, navios, foguetes, tudo....Lágrimas vieram-me aos olhos. Bem, marimbei-me no bicho do qual nem sei o nome e deixei-o ganhar a guerra. Até por que se escondeu. Quando voltei à casa de banho já estava o estupor mesmo no meio do chão branco. Como se estivesse à minha espera. Como se estivesse a tourear-me... Até estou envergonhada!
Tal não é a moenga...
Adoro laranjas! Podia comê-las dias inteiros que era feliz. Mas há laranjas e laranjas. Aquelas que trago de Beja e que o meu pai compra no senhor Lourenço são incomparáveis. Nada têm a ver com as laranjas 'enceradas' que se compram nos supermercardos como diz a minha mãe. Vejam bem, trouxe 17 kg - mas elas são grandes. Quaisquer quatro já pesam quilo. Mas, depois de as olhar bem, levantou-se-me a dúvida: « ó pai - as cascas das laranjas vêm todas com uma nhanha branca. Que é aquilo?», perguntei eu ao meu Bicho pai. «Não sabes o que é isso?» - respondeu ele, com a sua característica mania de sempre nos responder com perguntas. «Isso são cagadelas de mocho!» Uai. Está certo - sim senhora. Fiquei a pensar naquilo. Ora, se o mocho é o símbolo da inteligência, pode ser que engolindo dejetos do passaresgo consiga herdar alguma sapiência. Será? É que sempre adorei o chamado carrascão da laranja. Caetana ouviu a conversa. Olhou para mim como que a dizer -me: nem sonhes que vou comer laranjas. E abalou a correr. Tal não é a moenga...
Fim de semana em Beja. Sim- cada vez que lá vou trago uma coleção de histórias e 'happenings'. A Praça da República reviveu os tempos da Pax Julia, os tempos romanos e, à noite, enquanto se enchiam as tasquinhas - com pizzas e pães com chouriço (muito típicos da era romana - dah), um grupo rufava tambores, animando a malta. Todos fizeram um círculo à volta do grupo mas senhor houve - talvez mais duro de ouvido - que foi especar-se mesmo no meio. Atentem na fotografia - um velhote, todo típico, de cajado e samarra - estavam 27 graus-, com cara de poucos amigos e boina na cabeça. E lá ficou ele, no meio da animação, sem se dar conta de ser o motivo de todas as conversas e risos. Mostrei a fotografia ao meu pai. «Epá, esse homenzito é muito conhecido. Está em todas. Aparece em todo o lado. Sabes onde é que costuma estar sempre? À porta do cemitério de São Matias!», contou-me. Bem - nem quis saber mais. Fica no meu imaginário o patusco velhote sobre o qual não cheguei a perceber se tinha dentes. Semblante fechado, o queixo chegava-lhe ao nariz! Muito me ri! Tal não é a moenga...
Epá, eu se não fosse alentejana , esmifrava-me outra vez para dentro da Gertrudes para voltar a nascer em Beja! Estive na minha santa terrinha no fim de semana da Beja romana - bela iniciativa. Espetáculos pirotécnicos, recriação de profissões, atividades e vestes dos tempos em que a cidade era Pax Julia, barracas e barraquinhas, trovadores, cantadores, contos, cortejos, danças...bonito! Bom ver a minha Beja cheia de vida! Estava eu nas Portas de Mértola a ver o desfile, a ouvir o rufar dos bombos e a aplaudir um equilibrista numa bola gigante quando passa senhora algo chateada. Critica. Em nervos. Piurça mesmo. «É o que é- sempre a mesma moenga (onde é que já ouviram isto?). Lá para a brincadeira estão sempre todos prontos. Querem é palhaçada. Agora trabalhar é que está mau. Trabalhar está quieto. Como é que querem que isto melhore?», dizia a bejense, em alto e bom som, num sotaque bem profundo e cerrado, juntando-lhe alguns imprompérios que nem parecem vernáculo com a doce e melodiosa terminação alentejana. Eu ri-me. E toda a gente se riu. E a senhora lá prosseguiu caminho, voltando costas à animação, chamando todos de «bando de filhos da...». Filhos pródigos, certamente. Ah, ah, ah! Tal não é a moenga...