O meu pai é incomparável. É tão giro, tão giro! No último fim de semana fui a casa, leia-se Beja, e sabe ainda melhor o cafezinho após a almoçarada de domingo na companhia do Bicho e da Gertrudes. Estava um calorzinho daqueles de fazer relembrar o Alentejo antigo mas, simultaneamente, soprava um ventinho que sabia tão bem...Ora o belo do Bicho, assim que se encosta, pesam-lhe as pálpebras. O homem consegue dormir onde quer que seja. E adormece numa fração de segundos. Desgraçado acorda logo com a Gertrudes aos berros: «Frasquinho, parece impossível! Onde quer que chega está sempre pendendo». E é verdade - não sei se ainda é na fase de adormecimento ou se já está na twilight zone, o meu Bicho parece um radar - consegue dar a volta à cabeça quando dorme sentado. Eu, nem nos alongamentos do ginásio consigo rodar assim o pescoço... «Epá, está-se aqui tã bem», justificava-se. E acorda sempre bem disposto. Contou logo o mê Bicho: «Sabes a do homezinho que chega aí a um lugarejo no Alentejo e pergunta a um velhote- amigo, já nasceu aqui algum grande homem? Não - aqui só nascem crianças!» Ha, ha, ha, ha! O que eu me tenho rido com esta parvoêra! Tal não é a moenga...
Ir a Beja é sempre aquecer o coração . Verdade que já quase ninguém me conhece, nem eu conheço muita gente, verdade se diga! Mas sempre rio com o trato tão particular. «Um café, por favor.» «Quer um cafezinho?», respondem, sempre. «Uma garrafa de água...» «É mais uma aguinha!» «Arranja-me umas Trident» - «Quais são as pastilhinhas?» A resposta surge sempre em forma de pergunta, terminando em diminutivo... Respostas foi o que não ouvi do típico alentejanito que lia o jornal atrás da minha mesa. Boina, casaco xadrez, lá se meteu com a minha Caetana, calando-se depois. «Mãe, o senhor está a dormir.» «Não está nada,filha, está a ler o jornal.» «Mas nunca mais passa de página?» Até o ler leva o seu tempo naquela terra - ah, ah, ah! A verdade- veja-se a fotografia - é que fiquei sem saber se, de facto, o bendito velhote adormecera, cambaleando para cima do jornal, ou se a leitura estava tão interessante que não conseguia despegar-se do periódico. Saímos e ele lá ficou. A fazer ou não uma sestinha, louve-se que naquela terra toda a minha gente conserva o hábito de ler o jornalinho. Bem hajam! Tal não é a moenguinha...
Deus me perdoe. Outra vez! E outra vez! E muitas, muitas vezes... O último fim de semana foi de intensa atividade parental (como a maioria dos pais, acredito, entre festas de Natal, saraus, apresentações, quermesses e bazares). Além do sarau dos meus Moinhos, da parte da tarde, as minhas ginastas foram fazer uma singela apresentação ao lar de idosos aqui das proximidades, juventude e sorrisos para abrilhantar a quadra dos mais velhotes que sempre se deliciam com a ternura de uma criança. O espaço era exíguo, não dava para flicks, piruetas ou mortais mas as nossas meninas fizeram o seu melhor e receberam aplausos. E carinhos! Um senhor havia, mesmo na frente, que não passava cartucho à arte das pequeninas. Dormia. Mesmo. Aninhado na cadeira, encostado ao cotovelo. A minha descendente, que é discreta como a mãezinha dela, apercebeu-se logo. E fazia-me olhinhos como que a chamar-me à atenção para o senhor que devia estar no sétimo sono. Convivemos um pouco e saímos, deixando a festa prosseguir. E o senhor dormir. «Não sei porque insistem em pô-lo sempre na frente. Não estava a dormir, não. É cego», explicaram-nos. Deus nos perdoe!