Passaram-se meses na Suécia. Ao contrário de quando lá cheguei, os últimos tempos em Sundsvall foram sempre de sol. Nunca chegava a ser noite. Apenas lusco fusco. Para estudar, em tempo de exames, não era lá muito bom... Mas voltemos às rambóias! A alegria dos suecos quando chega o dia em que não há noite é tanta que costumam ir para a floresta gritar. Pensei: aqui é tudo janado! Mas não é que aquilo sabe bem? Superlibertador. Comecei a ouvi-los a puxar pelos pulmões, aquilo fazia eco, e olhem...era cá uma desgarrada! Soltei também a minha tensão acumulada e enrouqueci como se não houvesse amanhã.
Prática dois: qual o pitéu do dia da libertação? O chamado ...- já não me lembro o nome daquilo em sueco - sei que é peixe que fica enterrado na terra de um ano para o outro. Podre, portanto.
Fiquei a olhar para eles a comer aquilo, deitava cá um cheirinho...acho que até provei, já não me lembro. Conversa para cá, conversa para lá e lá disse que sentia saudades de um belo prato de caracoís. «Caracóis, caracoís? Daqueles da rua???», perguntavam-me atónitos. «Sim, esses, gordos, caracoletas também...» Ficaram tão enojados que nunca mais conseguiram olhar-me da mesma maneira. Ora, porra, eles comem peixe podre....
Continuemos nos meus tempos de Suécia e naquela semana de boas-vindas aos estudantes Erasmus, sete dias que se revelaram para mim de enorme terror. Depois de ter falhado o passeio a cavalo pelos bosques frondosos, levaram-nos a visitar uma grutas que só no pico do Inverno se formam. Uma zona congelada de mar que desenha espirais lindas, colunas de água sólida, caprichos da natureza que só pensei ver em livros. Bem, não é que lhes tenha prestado muita atenção... Já contei que tenho problemas com sitios fechados - como acham que me senti quando percebi que ia descer por uma corda, com apoio de bombeiros, por um buraco abaixo, entrar mar congelado dentro e passear-me por ali até terem vontade de me mandar embora? Irra! Mas já tinha ficado fechada no estábulo com medo do pónei e achei não podia fazer nova desfeita. Cravejadinha de medo lá desci. Aquilo era lindo - parecíamos Alices no País das Maravilhas a entrar pelo espelho. Pior é quando começo a olhar em volta e a não conseguir ver saídas. O pânico apodera-se de mim, começa a dar-me a travadinha e a tampa acabou por saltar-me quando, no meio daquele chão escorregadio, começo a ver pegadas. Perguntei o que era. O dito bombeiro - acho eu que era bombeiro, tinha farda, sei lá de onde era o homem - olhou para mim, com a testa muito franzida, e respondeu: «são pegadas de lince!»
Oabre...ainda hoje estou para perceber como saí dali. Agarrei-me à corda sozinha e nem precisei que me empurrassem o befe, que naquela altura até era bem mais generoso e proeminente, para chegar à superficie.Nesse dia apanhei -22 graus. Não sentia o nariz, nem queixo, nem boca...e o que fez a inteligente da Elsa quando chegou ao hotel? Meteu-se debaixo de água a ferver - doeu horrores!
Estive na Suécia, no último ano de curso, a fazer Erasmus (se fosse hoje não me metia no avião). Até hoje ainda não percebi se foram os melhores, se os piores tempos da minha vida. Mas quando tento lembrar-me de algumas situações à Elsa Marina, a verdade é que alguns embaraços assaltam-me a memória.
Pois que fui para uma universidade em Sundsvall, na mesma latitude que o Alasca e o Norte da Sibéria. Inverno rigoroso, sempre de noite... Saía de casa de manhã e tinha de abrir caminho com neve pela cintura (nunca eu tinha visto neve no Alentejo e levei logo com montes dela...camadas...paletes).
A Universidade aguardava, impacientemente, pelos estudantes estrangeiros, a tal ponto que organizou toda uma semana de boas-vindas, cheia de atividades e passeios para mostrar o melhor do país e da região.
Ora bolas. Passeio número um: cavalos. Agora imaginem um bosque daqueles frondosos, à filme, com árvores gigantescas a delinearem gigantescos penhascos cobertos de neve e gelo. O resto do grupo era constituído por belgas, franceses...mais do que habituados aquelas práticas. Eu nunca sequer tinha andado a cavalo. Aliás, nunca andei (a mula Gabriela do Jardim Público de Beja não conta, certo?)
Ora, comecei logo a ficar para trás. Lá expliquei que estava cheia de medo, que não queria participar daquele filme à Frozen, ainda que me chamasse Elsa, mas os suecos insistiam e ainda me foram buscar um pónei cheio de pêlos e crinas já que os cavalos impunham muito mais respeito. Mas o bichano não engraçou comigo. Dava coices para trás, voltava a cabeça e fugia de cada vez que tentava fazê-lo de banco. Resultado: fiquei duas horas fechada num estábulo enquanto os outros foram ver as maravilhas naturais da Suécia profunda, com medo de sair dali não fossem aparecer-me outros seres manhosos, ficando ali, prostrada e indefesa, à mercê do pónei mau feitio.